Sunday, August 26, 2007

Fantasia

Por cada momento em que está sem pensar, sem ver, sem sentir, surge alguém assim. Uma ode a todos os sentidos. Alguém que sem o saber, não é mais do que um sonho. A sua concepção teve lugar apenas na cabeça de alguém que nunca diz quem é. Alguém que nunca partilha essa visão com ninguém. Em segredo, vive desse sonho irreal, porque a distância da realidade é longe demais para ser percorrida por esse alguém. Como tudo, como todos. Longe demais. E no entanto a proximidade ilusória dessa ilusão reencarnado numa pessoa faz com ele imagine mil e um detalhes de fantasias mais ou menos doentias. E em explosões de erotismos vividos entre si, a ilusão torna-se realidade dentro da sua mente. E À sua frente, as formas que ele aprendeu a amar começam-se a materializar, o ar a transformar-se em matéria. Não importa o que é que foi criado por si, o que é verdadeiro e o que é fantasia. Naquele momento o que a sua mente imagina é o que ele vê. Receoso, a sua mão avança lentamente, receosa de tocar o ar em vez da perna nua que estava à sua frente. Ao sentir o toque, ele arrepia-se e retira a mão. A sua fantasia era realidade.
E num dilema entre a sua mente e coração, entre o saber que finalmente estava louco e o bater descontrolado do seu coração, as únicas palavras que saiem de si antes de perder os sentidos são o reflexo directo de todo o tempo em que a ilusão não passava disso mesmo. Ao fechar os olhos ele ouve a sua própria voz a dizer alto o que ecoava nos seus pensamentos.

"Apetece-me lamber-te"

Assim que fecha os olhos, ela desapareceu. Pelo menos para si. Embora sentindo o seu toque, ela já não existia, não era real. Uma ilusão que tocava no seu corpo, acarinhava-o. E se pudesse sentir, iria achar que estava louco por deixar que uma fantasia dominasse a sua racionalidade assim.

Ou talvez não se importasse.

Tuesday, August 14, 2007

Veneno

Tudo está bem.
A vida corre.

E de dia em dia, do seu esgotamento ao meu, é curioso ver como a realidade me riscou da sua existência e eu, decidido e corajoso, risquei-me dela.

Quem precisa de uma realidade que nos afunda em ilusões e promessas por cumprir? Mas é complicado falar quando a nossa percepção está alterada e apenas anseiamos por nos mantermos a voar, para fugir das garras da realidade que prende a ela mesmo aqueles que rejeitou. E quem é infeliz o suficiente para rejeitar a realidade vive a vida toda a correr, a olhar por cima do ombro, a vislumbrar a realidade que o odeia, a realidade que o rejeitou.
Ele encontra diversas portas fechadas, menos uma. E ele não quer. Dorme na rua.

Um dia, 2 semanas, 3 meses, 4 anos.

E na rua, ele leva pontapés, na rua é violado. Até o dia em que ele entra pela porta aberta.
E tudo isso continua a acontecer. Ele apenas deixa de o sentir.

"Overdose de veneno só te deixa pequeno!
Muito álcool, muito crack, muita coca!
A vida te sufoca!"

Gabriel o Pensador

Wednesday, August 01, 2007

Feridas

Durante o seu tempo de vida, o ser humano carrega consigo as cicatrizes das suas feridas. Quando estas são recentes e o sangue fresco, a dor é, obviamente, inevitável. Mas conforme o tempo e os seus agentes erosivos exercem a sua função curativa, fica-se apenas com uma leve lembrança, física, dessa ferida. Um singela cicatriz.
Os menos ajuízados optam por manter a ferida em aberto, por alimentá-la, tornando-se assim uma obcessão. Acaba por ser algo motivado talvez pelo orgulho.

"Hei-de te ver aos meus pés"

Há também opte por esquecer essas feridas. Não fazer de conta que não existem, apenas esquecê-las. Igualmente incompreensível, para a maioria talvez. A partir do momento em que se lembra, por qualquer infortúnio do destino, a primeira reacção é sempre a de abrir as feridas, talvez novamente motivadas pelo orgulho.

Raiva, orgulho, dor e obcessão.

As feridas vão estar sempre lá, marcas queimadas na pele, tatuagens que por vezes se desejavam não terem sido tatuadas. Pode-se tentar esquecer, pode-se fingir que se esqueceu, enganando todos inclusive a si próprio. Se não se as aceitar, se não as encarar, o dia em que o espelho mostrar as cicatrizes que se tentam ignorar será o dia em que as feridas vão voltar a sangrar. Internamente.

No final é melhor perdoar e não esquecer do que não perdoar e fingir que se esquece.