Sunday, July 10, 2016

A Lição

Seria impossível não dizer nada acerca do que aconteceu ontem. Não que o futebol seja das coisas mais espirituais que tenhamos mas há muito a retirar da vitória de Portugal e da forma como senti essa mesma vitória, isto depois de filtradas todas as devidas emoções e enquadrando no meu momento de vida pessoal, o qual partilho aqui com todo vós.

Cresci a ver Portugal a ter uma excelente equipa de futebol (desde 96 para cá) e a ser consecutivamente afastado seja por culpa própria, seja por mérito dos adversários ou por falta de mérito dos árbitros. Havia sempre algo a atrapalhar. Havia sempre aquela sensação de "somos bons, mas não somos bons o suficiente", mesmo quando os adversários mostravam não atingir o nosso nível, mas depois vinham as filosofias do futebol, como "elas contam é lá dentro" e "o futebol é assim, não é jogar bonito, é marcar golos". Marcar golos sempre foi o nosso problema, com os finalizadores a contar-se pelos dedos - de repente só me lembro de três desde essa altura, Pauleta, Hélder Postiga e Hugo Almeida (provavelmente haverão mais, mas só me lembro mesmo destes) e parecia que estávamos sempre a lutar contra um planeta inteiro, incluindo o nosso próprio país. E cada vez que jogávamos em fases finais, acontecia sempre um enguiço, uma justificação interna para que nos legitimássemos a perder. Havia sempre um culpado, interno ou externo.

Desde que Ronaldo tornou-se capitão da selecção, esse culpado ficou quase que oficializado, seja por ser um dos melhores jogadores do mundo e por todos esperarem que ele resolvesse tudo, seja pela responsabilidade do próprio, por puxar a si mesmo essa carga, esse fardo.

No entanto, algo aconteceu de diferente, desta vez, quando parecia que tudo ia acontecer como antes. A convocatória do seleccionador não agradou a todos, principalmente pela inclusão de Éder, o único ponta-de-lança desta equipa, e a não inclusão de outros que, segundo a sabedoria futebolística, são melhores jogadores, sabedoria que até me fez sentido, e continua a fazer. A pressão que caiu sobre Éder foi imensa, sendo que o mesmo "viu-se" obrigado a fazer declarações. Portugal começou a jogar e o assunto foi esquecidos. Portugal teve exibições sofridas e longe do brilho do que se pretendia, não conseguindo ganhar mas também não conseguindo perder. E fomos avançando, sempre com a promessa de Fernando Santos em voltar com a taça na mão a pender e as vozes (nossas) derrotistas a dizer que não se ia conseguir. De fase em fase fomos avançando, com sorte e com azar e com falhanços e tiros no alvo quando foi necessário. 

Até chegarmos ao dia de ontem, que parecia estar condenado quando antes de atingir os 10 minutos de jogo, o capitão Ronaldo é lesionado e passa os próximos minutos a tentar jogar e a lutar contra ele próprio para aceitar que o melhor seria sair. Uma decisão nada fácil para qualquer um na sua posição, de ter a carga que lhe puseram em cima, a carga que ele reclamou para si próprio de salvador. A sua saída provocou a confusão na equipa, que tentou como pôde resistir às incursões avassaladoras daquele meio-campo temível, mas faltava algo. Algo não estava a funcionar. Foram feitas alterações e mesmo assim, algo não estava certo, afinal estávamos a adaptar alguém na posição de ponta-de-lança que não é ponta-de-lança. Até que Éder entrou e notou-se logo mudanças e conforme o tempo foi passando e nós nos mantivemos de pé e a lutar que o adversário começou a quebrar. E aquele que ninguém acreditava, aquele que tinha dúvidas de si próprio (e que muito valeu o apoio do seu capitão e de toda a restante equipa), marcou o golo que deu a vitória.

Agora vamos às minhas considerações, à metáfora que me surgiu e que me faz todo o sentido partilhar aqui. Temos uma equipa que tem um centro. Centro para atrair os fãs e centro para fazer temer os adversários. Um centro que leva atrás de si uma série de jogadores para o anular e a alterações na táctica. O salvador, aquele que consideramos ser o caminho, a única forma para o sucesso. Depois temos o nosso historial e a nossa forma de pensar, a nossa pequenez, fruto de muitos anos "orgulhosamente sós, de costas viradas para o mundo","país de brandos costumes" e o facto de pensarmos, mesmo que inconscientemente "se não for com o melhor jogador do mundo, não vai ser nunca". Transportando esse pensamento, para uma final, no qual vemos o nosso salvador, obrigado a sair em lágrimas, a querer lutar, a insistir, independentemente do mal que isso pudesse fazer para a sua saúde, mas a ter que cair no chão a tentar controlar as emoções - e fui o único que achei simbólico aquela borbuleta (dizem que é traça, mas as traças em França devem ser mutantes) pousar no seu olho direito?

Temos expectativas, temos visualizações e, infelizmente, temos certezas. Só conseguimos se for assim, só teremos sucesso se for assado. 

Que lição poderosa nos deu o jogo de ontem? Várias. Mais do que qualquer questão nacional ou patriota, a lição que nos foi passado foi de que é preciso sonhar (o sonho de Fernando Santos) é preciso acreditar no sonho, é preciso fazer os outros acreditar para que trabalhem em prol desse sonho (a selecção), é preciso fazer o que se sente correcto, lutar cada batalha como se fosse última e com isso fazer com que todos acreditem (os 11 milhões).

É preciso sonhar, é preciso acreditar e não duvidar. Há muitas maneiras para ganhar, há muitas maneiras para ter sucesso, bastando acreditar, bastando saber que temos valor, não esquecer que temos valor e que merecemos ter aquilo que sonhamos. E quando assim é, a salvação está não no salvador que elegemos, não no caminho que julgávamos ser único mas naquele que nunca valorizámos.

Para ganhar, seja no futebol, seja na nossa vida pessoal, basta sonhar, acreditar no sonho e fazer aquilo que sentimos correcto. E na hora decisiva, aquela parte de nós que nunca pensámos ser vencedora, vai estar à altura, vai surpreender-nos e vai levar-nos a triunfar. Não por sermos melhores que os outros ou superiores, mas por acreditarmos que merecemos ter sucesso, acreditarmos que estamos a seguir o nosso coração.

Por sonharmos e acreditarmos no sonho. E contagiar todos à nossa volta com essa crença.

E esta é uma lição que tão cedo não vou esquecer.

Obrigado Portugal.


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