Sunday, July 16, 2006

O Homem de Lata

A busca interminável por um coração. Qualquer um, de qualquer tipo. Mesmo que se seja de pedra. Antes ter um pedaço de argila no peito para enfeitar do que ter um espaço vazio que se torne um buraco negro sugando tudo à sua volta. Qualquer coisa. Quase que apetece dizer de qualquer maneira, mas há certas coisas que não se devem fazer. Ao menos isso, que essas “regras” permaneçam. Andar até encontrar um, na mais alta montanha, no mais fundo buraco. Onde estará ele? É o tipo de coisa que não se pode pedir indicações (não me julguem superiormente sábio – sei isto por ninguém mas saber indicar, se bem que houve uma resposta que me deram mas já lá iremos). É uma cruzada, o Santo Graal moderno. E depois de encontrado, qual será a missão do cavaleiro templário? Proteger esse coração? Ou a sua razão de viver acaba com a descoberta? Procurar para encontrar. Não procurar para tentar encontrar. E nesta jornada muitas coisas se descobrem sobre quem procura. Espera-se, desespera-se. O milagre acabou e o feiticeiro é uma fraude. Mas será ele mesmo necessário? Não será ele uma utopia criada para nos confortar a nós, homens de lata sem coração? Muitos de nós não resistem, imobilizados pela ferrugem criada por correntes intermináveis de lágrimas. Mas será que realmente nos queremos mexer...? Já dizia o sábio ciclope, questões, questões, questões...de todas elas, escolher uma que seja realmente importante.

“Poderá um homem sem coração ter alma?”

Tuesday, July 04, 2006

Teatro da Incompreensão

Ele diz: - Medo

Ela ri-se.
Pergunta-lhe a primeira coisa descabida que lhe vem à mente.
- Azul?

Ele fica perdido por momentos e responde com outra questão
- é uma pergunta?

“Não somos nós todos uma pergunta constante da vida?” Ela sorri.
- Certamente.
- Tipo...azul?
- E porque não azul?

Ela insiste na tolice inicial. É um jogo de lógica irracional. Ele pára, pensa.
- porque não... ora então azul
Ela acena.
- Azul.
Ele respira fundo e responde rapidamente:
- Confusão
- De ideias?
- mais de reacção a acontecimentos

Pensando um pouco, ela decide complicar a situação. Mantê-lo como um barco à deriva.
- Certo... mas porquê de reacção a acontecimentos e não origem do acontecimento em si?
- Não sei... perguntas complicadas...

Estava a chegar a algum lado quando subitamente a mente consciente manda parar. Mas porquê divagar numa cor? Afinal aonde os leva aquele caminho?
- As perguntas em si têm uma origem simples – Ela dá voz ao seu pensamento- Porque procuras complicá-las?
A resposta vem pronta.
- Porque sou complicado

Ela suspira quase em desalento. A desculpa de sempre para quando não se tem explicações. Somos complicados. Ela decide abraçar a ciência.
- Não. És extremamente simples. És composto orgânico de 4 bases de ácidos nucleicos, átomos e moléculas. És um conjunto de tecidos, órgãos e funções motoras. A tua mente pode complicar o que é simples.

Filosofia. E porque não filosofar em conversas sem sentido?
- Eu sou a minha mente. Sou aquilo que ela cria, que ela mostra, que ela me transmite. Tudo funciona de maneira extremamente simples e racional, como um relógio (se tiver bom claro) mas dá origem a um sem numero e hipóteses, sem numero de possibilidades. Pegando no exemplo do relógio é como se tivesse um mecanismo simples a mostrar várias horas, minutos, segundos, milésimo de segundos, de todos os fusos horários existentes no planeta e tivesse que escolher qual o indicado, ou qual o certo para aquele momento.

O momento certo... Sem duvida o mais desejado e acertado do atraso de tal relógio, tão prontamente apontado e anotado com a precisão suíça de um mestre que nada percebe de ponteiros do Tempo. Ela volta a perguntar.
- Então, porquê azul?

A razão da pergunta passa despercebida, a singela singularidade da rara situação que é analisar uma cor a sangue frio, como posta numa proveta. Divagar apenas sobre assuntos sem interesse que dão a conhecer o mais profundo de nós. Ele não entende, esquiva-se.
- Isso pergunto-te eu...tu é que me perguntaste azul...eu é mais preto e branco.

Ah, sim, claro. A falta de cores, de perspectiva. A mente simplista por detrás da complicação suprema que é perceber o que não é para ser entendido. Preto e branco. Mas nada na vida é preto e branco. É tudo uma grande escala de cores, uma grande escala de cinzentos que usamos para pintar o universo que nos rodeia. Mas ela pinta mais do que em cinzento. A pergunta escapa-lhe dos lábios antes de se formar completamente na sua mente
- E tu nunca te perguntaste azul? Ou vermelho? Ou verde?
- Não. já me perguntei de que cor seriam as coisas se eu fosse cego, se as conseguiria criar na minha mente, lembrar-me delas. Azul, vermelho, verde...

Mas aí conheceria as cores, para se lembrar delas. Mas limita-se ao preto e branco. Conhece-as, ela sabe. Mas o medo fá-lo colorir tudo com a simplicidade da negação. Ela abana a cabeça e responde numa nota de desalento colorido.
- Felizmente não és cego
Ao que ele responde aliviado.
- Muito felizmente.

Ela fecha a mente e sorri da sua máscara de cera branca. A essência do azul escapou-lhe por entre os dedos, como areia branca numa praia deserta.

Ana Nunes e Fernando Ferreira 30-Jun-06