Tuesday, July 04, 2006

Teatro da Incompreensão

Ele diz: - Medo

Ela ri-se.
Pergunta-lhe a primeira coisa descabida que lhe vem à mente.
- Azul?

Ele fica perdido por momentos e responde com outra questão
- é uma pergunta?

“Não somos nós todos uma pergunta constante da vida?” Ela sorri.
- Certamente.
- Tipo...azul?
- E porque não azul?

Ela insiste na tolice inicial. É um jogo de lógica irracional. Ele pára, pensa.
- porque não... ora então azul
Ela acena.
- Azul.
Ele respira fundo e responde rapidamente:
- Confusão
- De ideias?
- mais de reacção a acontecimentos

Pensando um pouco, ela decide complicar a situação. Mantê-lo como um barco à deriva.
- Certo... mas porquê de reacção a acontecimentos e não origem do acontecimento em si?
- Não sei... perguntas complicadas...

Estava a chegar a algum lado quando subitamente a mente consciente manda parar. Mas porquê divagar numa cor? Afinal aonde os leva aquele caminho?
- As perguntas em si têm uma origem simples – Ela dá voz ao seu pensamento- Porque procuras complicá-las?
A resposta vem pronta.
- Porque sou complicado

Ela suspira quase em desalento. A desculpa de sempre para quando não se tem explicações. Somos complicados. Ela decide abraçar a ciência.
- Não. És extremamente simples. És composto orgânico de 4 bases de ácidos nucleicos, átomos e moléculas. És um conjunto de tecidos, órgãos e funções motoras. A tua mente pode complicar o que é simples.

Filosofia. E porque não filosofar em conversas sem sentido?
- Eu sou a minha mente. Sou aquilo que ela cria, que ela mostra, que ela me transmite. Tudo funciona de maneira extremamente simples e racional, como um relógio (se tiver bom claro) mas dá origem a um sem numero e hipóteses, sem numero de possibilidades. Pegando no exemplo do relógio é como se tivesse um mecanismo simples a mostrar várias horas, minutos, segundos, milésimo de segundos, de todos os fusos horários existentes no planeta e tivesse que escolher qual o indicado, ou qual o certo para aquele momento.

O momento certo... Sem duvida o mais desejado e acertado do atraso de tal relógio, tão prontamente apontado e anotado com a precisão suíça de um mestre que nada percebe de ponteiros do Tempo. Ela volta a perguntar.
- Então, porquê azul?

A razão da pergunta passa despercebida, a singela singularidade da rara situação que é analisar uma cor a sangue frio, como posta numa proveta. Divagar apenas sobre assuntos sem interesse que dão a conhecer o mais profundo de nós. Ele não entende, esquiva-se.
- Isso pergunto-te eu...tu é que me perguntaste azul...eu é mais preto e branco.

Ah, sim, claro. A falta de cores, de perspectiva. A mente simplista por detrás da complicação suprema que é perceber o que não é para ser entendido. Preto e branco. Mas nada na vida é preto e branco. É tudo uma grande escala de cores, uma grande escala de cinzentos que usamos para pintar o universo que nos rodeia. Mas ela pinta mais do que em cinzento. A pergunta escapa-lhe dos lábios antes de se formar completamente na sua mente
- E tu nunca te perguntaste azul? Ou vermelho? Ou verde?
- Não. já me perguntei de que cor seriam as coisas se eu fosse cego, se as conseguiria criar na minha mente, lembrar-me delas. Azul, vermelho, verde...

Mas aí conheceria as cores, para se lembrar delas. Mas limita-se ao preto e branco. Conhece-as, ela sabe. Mas o medo fá-lo colorir tudo com a simplicidade da negação. Ela abana a cabeça e responde numa nota de desalento colorido.
- Felizmente não és cego
Ao que ele responde aliviado.
- Muito felizmente.

Ela fecha a mente e sorri da sua máscara de cera branca. A essência do azul escapou-lhe por entre os dedos, como areia branca numa praia deserta.

Ana Nunes e Fernando Ferreira 30-Jun-06

1 Comments:

Blogger Clepsidras said...

Oh! Ele está aqui!!! :D

8:38 AM  

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