Saturday, July 21, 2007

Presente

A terna devoção a uma causa considerada perdida faz-me pensar se serei merecedor de tal atenção e inevitavelmente faz-me visitar monumentos em ruínas que jurei nunca mais vislumbrar. Essa decadência entristece-me, sinais de uma civilização há muito esquecida e abandonada, como se os terrestres tivessem ido para Marte, deixando este mundo para trás, ficando entregue à desolação dos anos que acumulam solidão e acentuam a erosão de prédios enormes e estátuas gloriosas. Não é um regresso ao passado, é uma constatação de um presente decadente ao qual se voltou costas ou se foi obrigado a agir assim. E por mais que se condene a realidade desse presente, não se deixa de se instalar uma sensação de familiaridade com o que acontece no sítio onde estou agora. Condições, pessoas e aprendizagens diferentes. E o resultado igual. E ao tentar encontrar justificação para tal fenómeno dou de caras com mil e uma explicações, todas elas diferentes. Não as vou enumerar porque isso seria desperdiçar tempo precioso mas vou concentrar-me no que elas têm todas de comum. O que mais sincero sinto em ti. O teu amor por mim.

E isso faz-me querer chorar e sorrir ao mesmo tempo.

Wednesday, July 11, 2007

Não Queiras Amar

Não queiras amar. O gelo demora anos a derreter e as flores séculos a renascer. Um campo devastado assim permanece por muito, muito (demasiado) tempo. Não queiras amar porque o meu amor tem mais espinhos que rosas e o sofrimento anda de mão dada comigo. Continuo ausente do mundo e quanto mais ausento mais longe se torna a espera para voltar (qual mundo?) talvez não queira voltar a (este mundo) erros cometidos no passado. Cercado por pedras e blocos enormes de gelo, o meu coração está anestesiado, provavelmente ele preferia tentar aguentar com a dor mas eu não sou da mesma opinião. É um paciente com tratamento e necessidades especiais. Não queiras amar um coração aleijado porque ele é egoísta e egocêntrico, engana-me a mim e a todos através do seu choro e quando se percebe o que quer já é tarde demais e mais alguém morreu por causa disso. Não queiras amar porque eu posso ser a indiferença quando mais precisares de amor, posso ser a ausência na tua presença. Parecer inatingível quando estou a ser afogado em gelo que sai do meu coração e se espalha pelo resto do meu ser.

Não queiras amar, coração meu, porque continuas a iludir sofrimento com amor.

Meu sofrimento... teu amor.

Monday, July 02, 2007

Hoje Tive Que Mandar Abater Um Amigo

Hoje tive que mandar abater um amigo. “Uma morte indolor e rápida”, pedi eu. Custa-me sempre fazer isto. Quando um amigo, não reconhecendo ninguém e perdendo a lealdade, ataca de maneira mortal, não me deixando outra alternativa. Não é a primeira vez e de certeza que não vai ser a última. E a cada morte, fico mais insensível. Cada vez mais espero o dia em que isso irá acontecer, como se fosse algo inevitável, tão inevitável e previsível como a morte. Nem sempre a morte é rápida e indolor, mas ele nada sente. Peço a quem faz isso constantemente – o que o faz ser ainda mais frio do que eu – para ser rápido para acabar com o seu sofrimento. Mas ele não acaba com o meu. E o sofrimento prolonga-se resultado dessa rebelião previsivelmente inesperada. Depois de morto, desmembrei o seu corpo de modo a acabar com o meu sofrimento. Essa violação do que é sagrado não teve o resultado esperado e gritei maldições contra traições, raiva pelo o ódio que sinto e vazio pelo o que o ódio me trouxe. Decido enterrar os restos mortais o mais fundo possível. E depois de vários meses a escavar até às profundezas do planeta, deixei lá o saco preto. A saída do buraco foi morosa e diversas vezes nesse caminho pensei no que deixo para trás. Em quem deixo para trás. A dor torna-se no vazio, um diferente tipo de dor. E quando finalmente, acabei de tapar o buraco decidi deixar uma tabuleta, sinal do que já foi e não voltará a ser. Nunca mais.

“A eternidade quebrada.”

Talvez por isso tenha desmembrado o corpo e o enterrado nos confins da terra, onde o sol nunca brilhou. Para que o símbolo de promessas não cumpridas não apareça novamente. Para que o corpo não reencarne na mesma pessoa, para que não volte a ser. Nunca mais.