Wednesday, April 25, 2007

Voo Branco

“My eyes are blind but I can see”

Black Sabbath – Snowblind

Abro os olhos e algo está estranho. Este não é o meu corpo, este não sou eu. Estou dentro e fora de mim e fico a olhar para o vazio enquanto me vejo a olhar para o vazio. Sinto o coração a disparar e a mente a correr atrás dele. Dou um salto por cima da mesa e repito acrobacias pela divisão enquanto divertido rio às gargalhadas. E ao meu redor estou cercado por cópias verdadeiras de mim que estão tão ou mais eufóricos que eu próprio. A gritar alegremente uns com os outros combinamos planos de conquista mundial enquanto cada um continua a dançar sem conseguir parar.

“Temos de nos mexer, temos de nos mexer” – Gritam eles em suprema euforia.

“Rir, comer, saltar, foder, não podemos parar, sempre a andar”

E enquanto assisto a mais uma das minhas quedas não me deixo de interrogar se haveria alguma maneira de o meu passado impedir esta minha recorrente rotina de alegre auto-destruição. O desinteresse pela vida apenas é superado pela maneira como acabo com ela. Ela… Se ela tivesse dito sim, será que estaria aqui?

Eles apercebem-se que estou a pensar outra vez então voltam-se todos para mim e quando dizem sempre a rir e a cantar “não, não, não” pegam em mim e dançamos todos numa gigante roda. E naquela roda viva em que todos pensamos consigo esquecer, consigo parar de pensar. Não interessa o futuro, não interessa nada do que dizem que interessa. Apenas rodar até perder os sentidos, rir e saltar.

O coração vai desacelerando e o corpo quebrando, quando volto ao corpo que não é meu e vejo que estou mais uma vez sozinho. Sento-me atrás da mesa novamente e olho para a linha que sobrou, pego na palhinha e aspiro a restante. Encosto-me para trás e fecho os olhos.

E saio do corpo que não é meu uma vez mais.

Saturday, April 21, 2007

A Máscara Branca

A máscara branca estava partida nas suas mãos. Era mais que um refúgio, era a sua vida. A face que ele gostava de ver no espelho, a que provocava as reacções desejadas nas poucas pessoas com que se cruzava. Desprovida de emoções mas capaz de demonstrar trizteza e alegria. Através dela, viam nele tudo aquilo que queriam ver. Temor, fascínio, repulsa, incompreensão. E o homem gostava disso. Essa sensação de poder, de impunidade fazia com que se sentisse de alguma forma superior. Era aquele que nunca falava porque a máscara falava por si e todos os restantes faziam as perguntas e respostas que ele precisava. Ele apenas ouvia.

Mas tudo isso acabou, a máscara branca está partida nas suas mãos. E o homem não se recorda como a máscara se partiu. Todos os pormenores da sua vida estão a fugir a cada segundo que passa do seu alcance. Conforme as memórias se afastam, ele é deixado a sós com a máscara branca partida nas suas mãos. É a única coisa que lhe resta.

A sua mente fica limpa de recordações, de pensamentos. O vazio tem uma cor. Branco. Sem tristeza, sem alegria. E quando olha para os destroços da máscara branca, julga que está a olhar para um espelho e não suporta ver a sua figura.

E então a máscara branca faz, mais uma vez, parte de si.