Voo Branco
“My eyes are blind but I can see”
Black Sabbath – Snowblind
Abro os olhos e algo está estranho. Este não é o meu corpo, este não sou eu. Estou dentro e fora de mim e fico a olhar para o vazio enquanto me vejo a olhar para o vazio. Sinto o coração a disparar e a mente a correr atrás dele. Dou um salto por cima da mesa e repito acrobacias pela divisão enquanto divertido rio às gargalhadas. E ao meu redor estou cercado por cópias verdadeiras de mim que estão tão ou mais eufóricos que eu próprio. A gritar alegremente uns com os outros combinamos planos de conquista mundial enquanto cada um continua a dançar sem conseguir parar.
“Temos de nos mexer, temos de nos mexer” – Gritam eles em suprema euforia.
“Rir, comer, saltar, foder, não podemos parar, sempre a andar”
E enquanto assisto a mais uma das minhas quedas não me deixo de interrogar se haveria alguma maneira de o meu passado impedir esta minha recorrente rotina de alegre auto-destruição. O desinteresse pela vida apenas é superado pela maneira como acabo com ela. Ela… Se ela tivesse dito sim, será que estaria aqui?
Eles apercebem-se que estou a pensar outra vez então voltam-se todos para mim e quando dizem sempre a rir e a cantar “não, não, não” pegam em mim e dançamos todos numa gigante roda. E naquela roda viva em que todos pensamos consigo esquecer, consigo parar de pensar. Não interessa o futuro, não interessa nada do que dizem que interessa. Apenas rodar até perder os sentidos, rir e saltar.
O coração vai desacelerando e o corpo quebrando, quando volto ao corpo que não é meu e vejo que estou mais uma vez sozinho. Sento-me atrás da mesa novamente e olho para a linha que sobrou, pego na palhinha e aspiro a restante. Encosto-me para trás e fecho os olhos.
E saio do corpo que não é meu uma vez mais.